quinta-feira, 24 de maio de 2007

Tipologia de doentes com Problemas Ligados ao Álcool da consulta de Etilo-Risco do HSM

Recentemente, o NETER, publicou numa revista científica um estudo sobre uma tipologia de doentes com Problemas Ligados ao Álcool da consulta de Etilo-Risco do HSM. O estudo teve como objectivo a identificação dos vários sub-grupos de dependentes do álcool que procuram ajuda numa consulta especializada num Hospital Geral. A análise dos resultados evidenciou uma solução factorial constituída por 5 sub-tipos de bebedores dependentes do álcool, designadamente: (1) Ansiopático, caracterizados por sintomatologia associada à ansiedade e ausência de controlo sobre a bebida, (2) Heredopático, com indicadores familiares positivos de alcoolismo e de dependência alcoólica, (3) Timopático, associado à perturbação afectiva, (4) Sociopático, caracterizado pelo comportamento anti-social e o (5) Adictopático, que traduz um sub-grupo assinalado pelo consumo de outras substâncias psicotrópicas, para além do álcool. Próximas investigações visam o estudo das prevalências e a delimitação bioquímica e genética dos 5 sub-grupos de dependentes do álcool, previamente reconhecidos.
A investigação levada a cabo tem como objectivo final, melhorar a intervenção clínica nos doentes da consulta de Etilo-Risco e por consequência, poder generalizar estes resultados a outros settings terapêuticos nacionais. De facto, identificar e intervir num doente apenas sob o ponto de vista da dependência é inevitavelmente redutor e não lhe concede um processo terapêutico ajustado à sua problemática. O estudo propõe o aperfeiçoamento do conhecimento e assistência clínica efectuado aos doentes de uma forma cada vez mais personalizada e eficaz, secundarizando o livre arbítrio e os modelos de tratamento previamente standardizados para todo e qualquer dependente de substâncias.

Qual é o papel do psicólogo, em relação à questão do alcoolismo?


O psicólogo deve ter um papel activo ao nível da prevenção, tratamento e reabilitação do problema do álcool, integrado em equipas multidisciplinares de investigação e assistência clínica. O fundamental da intervenção psicológica do alcoolismo na prática clínica, passa pelo estabelecimento e manutenção de uma relação psicoterapêutica estável, no sentido de impulsionar a “desintoxicação psíquica” da problemática do álcool, a monitorização da abstinência e a reabilitação cognitiva. No caso específico do NETER, que funciona essencialmente com uma população de utentes dependentes do álcool, o psicólogo vai articulando a sua intervenção tendo conta a evolução do indivíduo no processo terapêutico da consulta e na sua própria doença. Neste sentido, é indispensável recuperar os recursos psicológicos necessários ao processo de mudança, dentro de uma perspectiva comportamental de reforço do processo de decisão e manutenção da abstinência e prevenção da recaída. A avaliação psicológica, neurocognitiva, o rastreio de consumos problemáticos do álcool e o acompanhamento psicoterapêutico individual ou em grupo, são instrumentos desenvolvidos pelo psicólogo no setting multidisciplinar especializado, no sentido de melhorar o atendimento ao doente alcoólico e complementar o tratamento psicofarmacológico, indispensável à evolução favorável do doente. O psicólogo não deve assumir o tratamento de um alcoolismo isoladamente, principalmente em casos de dependência elevada, pois o início do decurso de uma abstinência pode trazer inúmeras complicações orgânicas que poderão comprometer a sua actuação e até mesmo a saúde física e mental do doente.

A Emancipação da Mulher no alcoolismo



As mulheres consomem cada vez mais substâncias lícitas e ilícitas.
No início dos anos 80, a prevalência ao longo da vida de perturbações pelo uso de álcool nas mulheres era de 4.6%, passando para 8.2% no inicio da década de 90.
Grosso modo, as estimativas referente à razão homem/mulher nas admissões para os problemas relacionadas com o álcool numa consulta especializada é de 5:1, respectivamente.
De acordo com os dados de 2000 a 2005 da consulta do Núcleo de Estudos e Tratamento do Etilo-Risco (N.E.T.E.R.), grupo de trabalho direccionado para a assistência, formação e investigação na área da alcoologia, integrado no Serviço de Psiquiatria do Hospital de Santa Maria, 18% da população que procura ajuda são do sexo feminino.
Factores de risco para os problemas ligados ao Alcoolismo nas mulheres: história familiar de alcoolismo, problemas de comportamento na infância (controlo de impulsos); uso precoce de nicotina, álcool e outras drogas; depressão; Divorcio, parceiro bebedor excessivo; Disfunção sexual; vitima de abuso sexual na infância ou de violência física.
As mulheres com problemas de álcool possuem um padrão de consumo do álcool extremamente nocivo, bebendo geralmente sozinhas e em casa, o que diminui a probabilidade de serem descobertas e aumenta consideravelmente o risco de isolamento social face à desaprovação e estigma associado à alcoolização feminina.
A relação entre o alcoolismo e o sexo feminino é marcada por um efeito “telescópico”, ou seja, começam mais tarde a beber, mas desenvolvem de modo muito mais rápido problemas associados a esses consumos.
As mulheres começam a beber mais tarde, bebem menos e com menos frequência, mas o risco de desenvolver dependência é maior.
Possuem maior vulnerabilidade ao efeito deletério do álcool, por desenvolverem maiores concentrações de álcool no sangue, na medida que possuem menor concentração de água corporal, dificultando a diluição do etanol pelo organismo e menor quantidade da enzima que metaboliza a molécula de álcool na mucosa gástrica, a alcooldesidrogenase.
As mulheres correm maior risco de desenvolver determinadas complicações físicas associadas ao consumo excessivo do álcool, nomeadamente

• Doença hepática;
• Miocardiopatia;
• Miopatia;
• Lesão cerebral.
• Inibição da ovulação;
• Infertilidade;
• Problemas ginecológicos/obstétricos

Durante a gravidez está associado a:
• Aborto espontâneo;
• Atrasado crescimento intra-uterino;
• Síndrome alcoólica fetal;

As mulheres grávidas devem abster-se completamente do álcool.

Que álcool se bebe em Portugal?


A utilização lícita de bebidas alcoólicas está fortemente entrosada na cultura e economia da maioria dos países Europeus que incondicionalmente toleram não só o consumo do álcool, mas igualmente o processo de alcoolização.
Aludindo pelas diferentes culturas e tradições mundanas, a qualificação do álcool como “lubrificador de relações sociais humanas”, regulamenta os fenómenos que disciplinam a normalidade vigente das sociedades contemporâneas.
A Europa continua a ser a região do mundo que mais produz e consome bebidas alcoólicas, apresentando o Luxemburgo no topo da classificação com um consumo médio de álcool puro per capita de 12,6 L, seguido pela Hungria com 11,4 L e República Checa com 11L. Portugal, infelizmente, ocupa o pouco honroso 8º lugar com um consumo médio de álcool puro de 9,6 L.
Estes dados suportam a catalogação de Portugal como um dos maiores consumidores de álcool do mundo, enquadrado num modelo de ingestão de álcool tradicionalmente caracterizado pelo consumo de vinho diário, particularmente às refeições e numa permutação global dos padrões de beber dos países industrializados ao nível do aumento do consumo de cerveja.
Os resultados estatísticos nacionais mais relevantes referentes ao consumo do álcool (Inquérito Nacional de Saúde) revelaram, em termos gerais, uma diminuição da prevalência de consumidores de álcool, predominantemente os homens e uma diminuição da quantidade média do consumo do álcool (gramas), marcada pela transposição do consumo de vinho para cerveja, sobretudo nas faixas etárias mais jovens.
Os dados epidemiológicos relativos às doenças do álcool, demonstram que o seu consumo excessivo provoca profundas ramificações sociais, médicas e psicológicas, não só para o indivíduo, mas também para aqueles que o rodeiam, devendo ser exaltado com maior proeminência nas agendas sócio-políticas que nos regem.
Actualmente, o alcoolismo deve ser reconhecido como um grave problema de saúde pública, oscilando a taxa de prevalência entre 1% a 10% da população. Em Portugal, é frequente referir-se que cerca de 10% da população apresenta graves incapacidades ligadas ao álcool. Provavelmente falamos da maior toxicodependência dos portugueses.
Para termos ideia dos custos do alcoolismo para o erário público, basta-nos a simples equação: o valor médio da produção de bebidas alcoólicas representa 2 % do Produto Nacional Bruto (PNB), enquanto que o custo económico dos problemas ligados ao álcool (PLA) atinge os 5 a 6 % do Produto Nacional Bruto.
A vigilância de saúde pública deve concentrar as suas atenções na permutação dos hábitos tradicionais do consumo de bebidas alcoólicas, nomeadamente: 1 – aumento do consumo em dois grupos populacionais de risco – jovens, pela sua imaturidade orgânica e as mulheres, pela sua menor capacidade em metabolizar o álcool; 2 – jovens com um padrão de consumo orientado para a embriaguez; 3 – associação do álcool a outras substâncias que alteram o funcionamento mental (haxixe, cocaína); 4 – aparecimento em superfícies comerciais de bebidas com embalagens muito atractivas - design drinks, conhecidas como alcopops, em que o álcool aparece diluído em sumos fortemente adocicados, de modo a neutralizar o sabor do álcool e a sua rejeição natural; 4 – aparecimento de produtos não alcoólicos com apetência especial para as crianças, com uma apresentação sugestiva de uma bebida alcoólica (ex. espumante), cuja a intenção é mimetizar as saudações e festas comemorativas dos adultos; 5 – estreita colaboração entre as marcas de bebidas e as actividades académicas, desportivas e culturais, dirigindo os seus targets a grupos populacionais de maior risco, tendo como resultado o aumento da incidência de alcoolizações maciças e comportamentos de hetero-agressividade; 6 – veiculação de notícias imprecisas, vagas e por vezes francamente erróneas acerca dos putativos benefícios das bebidas alcoólicas para a saúde.
A conceptualização do consumo do álcool alicerça-se num amplo conjunto de factores intra e inter-dependentes (políticos, culturais, económicos, sanitários, pessoais, etc), que concorrem para a necessidade crescente de adoptar um enfoque integrador da alcoologia portuguesa, gizando em uníssono a redução efectiva dos Problemas Ligados ao Álcool (PLA).